O problema da demo scene em Portugal
O problema da demo scene em Portugal
Tratado milenar por Breakneck / TDA
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Estava há muito tempo a pensar em escrever isto e, agora que não tenho muito trabalho pela frente, decidi fazê-lo. Como toda a gente que lê este blog, sou um adepto da demo scene. Gosto de ver demos (embora já não tenha a paciência de antigamente), gosto de me reunir com os portugas que gostam de ver demos e também gosto de ir às "demo parties" ver as competições no grande ecrã.
Decidi escrever este artigo por querer verbalizar as minhas ideias sobre o porquê de a "demo scene" em Portugal ser constituída sempre pelas mesmas pessoas (entusiastas). Em suma, o porquê da raridade de pessoas novas.
Contudo, há algo que podemos mudar e até não é muito difícil, no nosso grupo espiritual de dedicação à demo scene. Esse algo, quanto a mim, engloba um pequeno número de problemas relativos ao nosso país. Passo, então, a descrevê-los e a sugerir o que podemos fazer para os solucionar.
O problema da localização geográfica
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A demo scene existe quase totalmente apenas na Europa, em particular nos países do centro, norte e leste. Portugal é um país periférico no contexto europeu: de uma forma geral, estamos longe de tudo. Precisamos de apanhar aviões quase sempre para ir a demo parties estrangeiras, e muitas vezes fazer escala. Felizmente, temos agora as companhias aéreas "low cost", que nos permitem visitar outros países europeus a preços muito baratos. O mesmo se aplica se os europeus nos quiserem visitar, para uma "demo party" cá em Portugal. Uma boa forma de os portugueses irem lá fora às parties é reservarem os bilhetes - como costumam fazer alguns dos nossos - com muita antecedência e partirem/chegarem todos do mesmo sítio. No entanto, nem tudo são azares: temos a vizinha Espanha, que conta com uma tradição um pouco mais longa que a nossa. Os "sceners" espanhóis são em maior número e de todas as vezes que pude estar com eles, apercebi-me de quanta familiaridade existe entre nós. Uma forma de dar a volta ao problema da localização geográfica é os portugueses irem mais vezes às "parties" espanholas, e vice-versa. Quanto mais frequentarmos uns as coisas dos outros, mais unida ficará a "scene" ibérica, que já não é de pouca importância.
Pode até vir a dar origem a uma grande "party" entre portugueses e espanhóis, num país ou noutro, e se isso acontecer, podemos esperar que os estrangeiros comecem a vir visitar-nos.
O problema da cultura
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Este é o problema mais gratificante de resolver. Por gratificante, digo que, ao praticar a sua solução, todos nós que já percebemos disto ganharemos, enquanto que os outros problemas tornar-se-ão menores. A cultura da "demo scene" é realmente fora do alcance de qualquer portugês que não a conheça. Primeiro, porque não existe no nosso país - excepto quando somos nós a divulgá-la; segundo, porque todos os aspectos dessa cultura pouco nos dizem respeito. Não há muito por onde comparar. Posso começar por dizer que a semelhança mais próxima que há a uma "demo party" é a de um concerto de música popular: com ou sem cadeiras, existe muita gente em multidão, muito barulho e sobretudo muita bebida. Depois, vem a parte das competições de demos propriamente dita: o "party place", até aí pouco distinguível de uma "LAN party" - desta vez, sem jogadores ou com muito poucos -, transforma-se numa mistura entre uma sala de cinema e um concerto. Para dormir, as "parties" assemelham-se a campismo improvisado, com o uso quase indispensável de um bom saco-cama para aterrar depois de uma noite de farra ou de trabalho intenso para terminar uma demo. Bebidas energéticas bebem-se com fartura. Comida de plástico a preços geralmente caros é o que está disponível. O verdadeiro espírito tem algo de mercenário em si: chegar ao fim de uma party grande como a Breakpoint ou Assembly é terminar completamente exausto, cheio de sono, sem forças mas com o espírito alegre. Como importar esta cultura para cá? A solução mais óbvia seria participarmos todos em longas viagens de carro ou avião pela Europa fora, o que não calha bem a ninguém. Mas pode-se fazê-lo através das visitas às nossas “parties”, quando as houver, e os encontros esporádicos que fazemos no Porto ou em Lisboa, com uma frequência média de – arrisco – uma vez cada 3 meses? O importante é publicitar de qualquer forma possível estes eventos.
O problema das raparigas
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Naturalmente, e em todas as parties que há pela Europa fora, nunca há muitas raparigas a assistirem, devido à cultura da "demo scene" ser uma coisa ainda fechada e muito do domínio masculino. Por mais que os sceners socializem nas "parties", participem em fóruns e ponham fotografias na net, o meio não é de entrada fácil a não ser que se seja um gajo e que se goste muito de computadores, de passar horas a fio metido com eles. A "demo scene" é mesmo assim, exige uma dedicação forte e prolongada para se poder apreciar a um nível mais satisfatório. Daí que, muitas vezes, as únicas raparigas que vemos nas demoparties são as namoradas dos gajos. Ganda pincel.
Isto porque a "demo scene" portuguesa só teria a ganhar com a entrada de mais raparigas. Não devemos deixar que nos tornemos para sempre um clube onde só entram homens. Frequentemente elas têm uma perspectiva diferente sobre as coisas que nós gostamos, e a troca de ideias é sempre um bom objectivo. Além disso, se só houver uma ou duas raparigas no meio de 20 gajos, torna-se difícil atrair mais e justificar que a "scene" não é um antro de gajos sebentos que nunca viram uma mulher à frente. É claro que parece, pois de "geeks" e "nerds" não temos falta (graças a Deus)
- o importante é não passar a mensagem errada, a de hostilidade. A solução para este problema, quanto a mim, passaria por incentivar que uma rapariga que goste da "demo scene" mostre demos às suas amigas, entre elas. Já há tanta mulher com portátil que não custa mesmo nada sacar a demo do momento, vê-la e espalhá-la no Messenger.
O problema de fazer demos
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Este é o pior dos problemas. Falo por experiência própria.
Num país onde a maioria da população não sabe o que é uma função matemática nem estudou para além do nono ano, não podemos esperar milagres. Normalmente, lá fora os estudantes começam a fazer demos enquanto adolescentes, e prosseguem até à idade adulta. A diferença está em que as suas escolaridades são mais elevadas, há mais gente com formação superior, e, portanto, há simplesmente uma maior probabilidade de que um estudante que goste de ver demos tente começar a fazê-las. Aqui em Portugal, a probabilidade é muito baixa: um potencial "demo maker" tem primeiro o problema da cultura para superar, depois tem que saber programação, depois programação em OpenGL ou DirectX (gráficos a 3 dimensões) e, finalmente, tem que praticar e tentar várias vezes antes de começar a fazer coisas mais duradouras. Como já temos pouca gente que chega às universidades ou aprende programação, lá dentro, devido ao problema da cultura, muito poucos se dedicam com coração a explorar a "demo scene". Relativamente aos artistas 3D ou aos músicos, o problema não é tão grave, dado que a indústria de desenvolvimento de jogos e a criação musical já existem em Portugal. Essas vertentes fazem com que as pessoas que querem fazer 3D e música tenham, já por si e antes da "demo scene", um meio onde podem exercitar os seus talentos. O caso do desenvolvimento de jogos é um pouco diferente, já que entre programar demos e jogos pouco há em comum, exceptuando a parte óbvia da programação gráfica. Uma solução não muito complicada para este problema será fazer "party coding": fazer ou terminar demos dentro do "party place", em ambiente aberto, para que os interessados possam ver, de relance, o que alguém está a programar, e, depois do prazo-limite estar aviado, conversar nas calmas com os programadores; ou, melhor ainda, pôr o código de
pequenas demos na net. É de notar que já existe uma quantidade considerável de boas demos cujo código está disponível para download.
E pronto. Falo apenas por mim, esta opinião de certeza que conflituará com a dos outros, mas é o meu ponto de vista nesta altura. Comentários são, obviamente, bem aceites.
Abraços e boas demos,
Breakneck
Tratado milenar por Breakneck / TDA
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Estava há muito tempo a pensar em escrever isto e, agora que não tenho muito trabalho pela frente, decidi fazê-lo. Como toda a gente que lê este blog, sou um adepto da demo scene. Gosto de ver demos (embora já não tenha a paciência de antigamente), gosto de me reunir com os portugas que gostam de ver demos e também gosto de ir às "demo parties" ver as competições no grande ecrã.
Decidi escrever este artigo por querer verbalizar as minhas ideias sobre o porquê de a "demo scene" em Portugal ser constituída sempre pelas mesmas pessoas (entusiastas). Em suma, o porquê da raridade de pessoas novas.
Contudo, há algo que podemos mudar e até não é muito difícil, no nosso grupo espiritual de dedicação à demo scene. Esse algo, quanto a mim, engloba um pequeno número de problemas relativos ao nosso país. Passo, então, a descrevê-los e a sugerir o que podemos fazer para os solucionar.
O problema da localização geográfica
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A demo scene existe quase totalmente apenas na Europa, em particular nos países do centro, norte e leste. Portugal é um país periférico no contexto europeu: de uma forma geral, estamos longe de tudo. Precisamos de apanhar aviões quase sempre para ir a demo parties estrangeiras, e muitas vezes fazer escala. Felizmente, temos agora as companhias aéreas "low cost", que nos permitem visitar outros países europeus a preços muito baratos. O mesmo se aplica se os europeus nos quiserem visitar, para uma "demo party" cá em Portugal. Uma boa forma de os portugueses irem lá fora às parties é reservarem os bilhetes - como costumam fazer alguns dos nossos - com muita antecedência e partirem/chegarem todos do mesmo sítio. No entanto, nem tudo são azares: temos a vizinha Espanha, que conta com uma tradição um pouco mais longa que a nossa. Os "sceners" espanhóis são em maior número e de todas as vezes que pude estar com eles, apercebi-me de quanta familiaridade existe entre nós. Uma forma de dar a volta ao problema da localização geográfica é os portugueses irem mais vezes às "parties" espanholas, e vice-versa. Quanto mais frequentarmos uns as coisas dos outros, mais unida ficará a "scene" ibérica, que já não é de pouca importância.
Pode até vir a dar origem a uma grande "party" entre portugueses e espanhóis, num país ou noutro, e se isso acontecer, podemos esperar que os estrangeiros comecem a vir visitar-nos.
O problema da cultura
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Este é o problema mais gratificante de resolver. Por gratificante, digo que, ao praticar a sua solução, todos nós que já percebemos disto ganharemos, enquanto que os outros problemas tornar-se-ão menores. A cultura da "demo scene" é realmente fora do alcance de qualquer portugês que não a conheça. Primeiro, porque não existe no nosso país - excepto quando somos nós a divulgá-la; segundo, porque todos os aspectos dessa cultura pouco nos dizem respeito. Não há muito por onde comparar. Posso começar por dizer que a semelhança mais próxima que há a uma "demo party" é a de um concerto de música popular: com ou sem cadeiras, existe muita gente em multidão, muito barulho e sobretudo muita bebida. Depois, vem a parte das competições de demos propriamente dita: o "party place", até aí pouco distinguível de uma "LAN party" - desta vez, sem jogadores ou com muito poucos -, transforma-se numa mistura entre uma sala de cinema e um concerto. Para dormir, as "parties" assemelham-se a campismo improvisado, com o uso quase indispensável de um bom saco-cama para aterrar depois de uma noite de farra ou de trabalho intenso para terminar uma demo. Bebidas energéticas bebem-se com fartura. Comida de plástico a preços geralmente caros é o que está disponível. O verdadeiro espírito tem algo de mercenário em si: chegar ao fim de uma party grande como a Breakpoint ou Assembly é terminar completamente exausto, cheio de sono, sem forças mas com o espírito alegre. Como importar esta cultura para cá? A solução mais óbvia seria participarmos todos em longas viagens de carro ou avião pela Europa fora, o que não calha bem a ninguém. Mas pode-se fazê-lo através das visitas às nossas “parties”, quando as houver, e os encontros esporádicos que fazemos no Porto ou em Lisboa, com uma frequência média de – arrisco – uma vez cada 3 meses? O importante é publicitar de qualquer forma possível estes eventos.
O problema das raparigas
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Naturalmente, e em todas as parties que há pela Europa fora, nunca há muitas raparigas a assistirem, devido à cultura da "demo scene" ser uma coisa ainda fechada e muito do domínio masculino. Por mais que os sceners socializem nas "parties", participem em fóruns e ponham fotografias na net, o meio não é de entrada fácil a não ser que se seja um gajo e que se goste muito de computadores, de passar horas a fio metido com eles. A "demo scene" é mesmo assim, exige uma dedicação forte e prolongada para se poder apreciar a um nível mais satisfatório. Daí que, muitas vezes, as únicas raparigas que vemos nas demoparties são as namoradas dos gajos. Ganda pincel.
Isto porque a "demo scene" portuguesa só teria a ganhar com a entrada de mais raparigas. Não devemos deixar que nos tornemos para sempre um clube onde só entram homens. Frequentemente elas têm uma perspectiva diferente sobre as coisas que nós gostamos, e a troca de ideias é sempre um bom objectivo. Além disso, se só houver uma ou duas raparigas no meio de 20 gajos, torna-se difícil atrair mais e justificar que a "scene" não é um antro de gajos sebentos que nunca viram uma mulher à frente. É claro que parece, pois de "geeks" e "nerds" não temos falta (graças a Deus)
- o importante é não passar a mensagem errada, a de hostilidade. A solução para este problema, quanto a mim, passaria por incentivar que uma rapariga que goste da "demo scene" mostre demos às suas amigas, entre elas. Já há tanta mulher com portátil que não custa mesmo nada sacar a demo do momento, vê-la e espalhá-la no Messenger.
O problema de fazer demos
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Este é o pior dos problemas. Falo por experiência própria.
Num país onde a maioria da população não sabe o que é uma função matemática nem estudou para além do nono ano, não podemos esperar milagres. Normalmente, lá fora os estudantes começam a fazer demos enquanto adolescentes, e prosseguem até à idade adulta. A diferença está em que as suas escolaridades são mais elevadas, há mais gente com formação superior, e, portanto, há simplesmente uma maior probabilidade de que um estudante que goste de ver demos tente começar a fazê-las. Aqui em Portugal, a probabilidade é muito baixa: um potencial "demo maker" tem primeiro o problema da cultura para superar, depois tem que saber programação, depois programação em OpenGL ou DirectX (gráficos a 3 dimensões) e, finalmente, tem que praticar e tentar várias vezes antes de começar a fazer coisas mais duradouras. Como já temos pouca gente que chega às universidades ou aprende programação, lá dentro, devido ao problema da cultura, muito poucos se dedicam com coração a explorar a "demo scene". Relativamente aos artistas 3D ou aos músicos, o problema não é tão grave, dado que a indústria de desenvolvimento de jogos e a criação musical já existem em Portugal. Essas vertentes fazem com que as pessoas que querem fazer 3D e música tenham, já por si e antes da "demo scene", um meio onde podem exercitar os seus talentos. O caso do desenvolvimento de jogos é um pouco diferente, já que entre programar demos e jogos pouco há em comum, exceptuando a parte óbvia da programação gráfica. Uma solução não muito complicada para este problema será fazer "party coding": fazer ou terminar demos dentro do "party place", em ambiente aberto, para que os interessados possam ver, de relance, o que alguém está a programar, e, depois do prazo-limite estar aviado, conversar nas calmas com os programadores; ou, melhor ainda, pôr o código de
pequenas demos na net. É de notar que já existe uma quantidade considerável de boas demos cujo código está disponível para download.
E pronto. Falo apenas por mim, esta opinião de certeza que conflituará com a dos outros, mas é o meu ponto de vista nesta altura. Comentários são, obviamente, bem aceites.
Abraços e boas demos,
Breakneck
Etiquetas: opinião
9 Comentários:
Este é provavelmente o post mais importante neste blog.
Está mesmo muito bom e interessante. Concordo com tudo.
[img]http://www.pouet.net/gfx/titles/coupdecoeur.gif[/img]
muito à frente \o/
Concordo com tudo, principalmente com a parte da divulgação. Se as pessoas não souberem que existe nem vão considerar a hipótese de aderir. Se não fosse aquela sessão no IST do ano passado eu possivelmente nem fazia ideia do que era a demoscene!
Tenho feito a minha parte para iluminar as pessoas por estas bandas. :)
obviamente, ficou por falar da decadência a que a demoscene tem vindo a sofrer - desde 1995? - que é responsável pela quebra do crescimento da demoscene, mesmo lá fora.
sinceramente, e falando por mim próprio, já começo a não ter muita paciência para o outreach nem para a evangelização. adicionalmente, estou farto de ir a demoparties e ficar desiludido com as produções, pelo que se é pra ir às demoparties ficar bêbado prefiro ficar em casa.
curiosamente, todas as frases deste comentário começam com um advérbio, o que prova qualquer coisa.
finalmente, gostava de relembrar a todos que o lx++ é já neste fim-de-semana, no parque das nações, não se esqueçam!
noooooes! O único fim de semana em meses em que tenho de ficar em portalegre! :(
oops... ganda azar. não te preocupes, irão acontecer vários lx++. e vai passando a palavra!
ah, e xernobyl:
bbcode and unicode doesn't work on oneliner. :)
O que é que eu tenho a ver com isso?
O estou desiludido comigo. Parti o meu skate! O meu telemovel está a morrer, o meu computador morreu... Tenho quase 23 anos (aquela idade fixe para um gajo se suicidar)... não tenho jeito para tocar BAIXo...
jeenio: é curioso que um animal festeiro como tu diga que está farto de ficar desiludido com as produções em parties onde a festa é sempre rainha :)
xernobyl: eu também parti o meu skate há muito tempo e também me morreu o computador várias vezes, mas por amor a sei lá o quê, continuo aqui! Acho que é o amor a ver máquinas morrerem à minha frente. Muhahahahhaha! etc etc.
:)
PS: O clix smartTV é muito caro. Estou muito deprimido
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